Se a natureza nos cura por fora, ela também nos transforma por dentro. Quando estamos mais conectados com a natureza, nossa relação com a comida também muda.
Na última edição, falei sobre os efeitos restauradores do contato com a natureza — o poder que o mar, a mata e o silêncio têm sobre nossa saúde física e mental. Hoje, sigo nessa mesma trilha, mas com um olhar voltado para algo que também nasce da terra: a nossa comida.
A alimentação é, muitas vezes, tratada como algo separado da natureza. Algo técnico, calculado, apenas funcional. Mas, quando voltamos a enxergar com mais presença, percebemos o óbvio que nos escapou: a natureza não apenas nos cerca — ela nos nutre.
Os alimentos que verdadeiramente nos fazem bem são, quase todos, frutos da generosidade natural: saem da terra, crescem com o tempo, florescem com o vento, o sol e a chuva. São raízes, folhas, sementes, frutas, grãos. E o mais bonito é perceber que, ao nos alimentarmos desses presentes, a natureza literalmente entra em nós. Seus minerais, vitaminas e fitoquímicos passam a circular em nosso corpo, nos dando energia, vitalidade e saúde. A natureza, com sua sabedoria silenciosa, continua cuidando da gente de dentro pra fora.
E Ilhabela, com sua abundância de verde, mar e terra fértil, torna tudo isso ainda mais palpável. Quem vive ou passa por aqui sente esse convite constante à presença. É só visitar um sítio agroflorestal (como, por exemplo, o Sítio Santa Seiva), ou observar uma árvore carregada de frutas no caminho, para ver de perto a força viva da terra: alimentos que crescem em harmonia com os ciclos naturais, respeitando o tempo da natureza e devolvendo equilíbrio para quem consome — e para quem cultiva.
Quando estamos mais conectados com a natureza — quando respiramos ar puro, sentimos o chão, olhamos o céu com tempo — nossa relação com a comida também muda. Passamos a respeitar os processos que os alimentos percorrem até chegarem ao nosso prato. Sementes que brotaram no escuro, sob a terra úmida, floresceram lentamente por semanas, absorveram nutrientes invisíveis, dependeram de sol, de chuva, de microrganismos. Foram cultivadas com tempo e trabalho humano, colhidas, transportadas, organizadas em prateleiras ou cestas — até, enfim, chegarem à nossa mesa.
Quando percebemos tudo isso, algo dentro de nós muda. Surge um respeito quase sagrado. Deixamos de comer no automático e começamos a valorizar cada garfada. A presença chega junto com a gratidão. Comer se transforma em um ato de reverência — à natureza, ao alimento e à vida.
Se você sente que está distante dessa relação, uma boa forma de começar é criar pequenos rituais antes das refeições. Pode ser um momento breve, de olhos fechados ou abertos, para reconhecer o caminho que os alimentos fizeram até ali. Agradecer à terra, à água, ao sol, às mãos que plantaram e colheram, e ao seu corpo, que agora vai se nutrir.
Porque no fim das contas, comer bem é, também, lembrar: a comida é a natureza. E a natureza é vida.